terça-feira, 30 de agosto de 2011

25 de agosto de 2011: o dia em que a união fez a força (por Renata Guterrez)


Histórico. Essa é a primeira palavra que vem na mente de quem viveu aquele 25 de agosto de 2011.  E quem viveu, terá muito o que contar, para sempre.
Uma nuvem havia pairado sobre o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora. A notícia de que o educandário de maior tradição de Rio Pardo fecharia suas portas em 31 de dezembro de 2011 correu rápido, e o que parecia ser o fim, significou um começo. O começo da revolução.
Esse é o relato daquele dia de luta.


Mas antes, vamos voltar à manhã de quarta-feira, quando o boato de que a escola poderia fechar suas portas se espalhou. Os alunos Bruno Pellegrini e Fernando Laste, da turma 301, logo tiveram a idéia de organizar uma mobilização. Conversei com Fernando, que relatou: ‘Logo que soube da possibilidade de isso acontecer, falei com o Bruno, e resolvemos que algo tinha de ser feito. A notícia foi se espalhando e logo todo o Ensino Médio já estava combinado. Eu e ele ficamos até tarde organizando o abaixo-assinado e fazendo cartazes.”
O que eles não imaginavam era a proporção que o movimento ganharia. Já na noite de quarta, as redes sociais estavam cheias de mensagens de alunos, todos resolvidos a salvar o Auxiliadora. No twitter, a tag #NaoFechaAuxiliadora, criada por Jordan Klafke, do segundo ano, passou a ser símbolo da união de todos pela mesma causa. No facebook, alunos, ex-alunos, pais e ‘simpatizantes’ confirmavam presença no manifesto do dia seguinte.


E o dia seguinte chegou. Amanheceu mais escuro do que o normal, como um prenúncio do que estava por vir. Fernando conta que ao chegar, às 7h na escola, encontrou todos os professores de preto, concentrados na portaria. Logo os outros alunos chegaram e foram para a sala de aula, onde os professores começaram a organizá-los.
Renan Lamb, também da turma 301, conta que ele e seus colegas foram nas salas de aula dos alunos menores, para explicar o que estava ocorrendo, divulgar a manifestação, e convidá-los a pintar os rostos e juntarem-se a eles.
A ordem da direção era que todos ficassem nas salas até a hora da saída (que seria às 9h naquele dia). Mas não teve jeito. Ninguém iria se comportar normalmente naquela situação. Nem mesmo os professores, que acabaram dando ordem para que os alunos descessem, pois havia chegado a hora de agir. E eles desceram, formando um corredor de alunos na portaria da escola, esperando a chegada da comissão que pretendia tomar-lhes a sua segunda casa.

Fernando Laste, um dos líderes da manifestação

“Foi o momento mais marcante, na minha opinião”, contou Fernando, “o professor Émerson começou a cantar o hino do colégio com as crianças, e um filme passou na minha mente, lembrei de quando era do tamanho delas e cantávamos o hino também.” Um filme também passava na cabeça de Renan, e na de cada um ali presente. Cada um com seus momentos, todos vividos sob a sombra do grandioso prédio do Colégio Auxiliadora.
Agora estavam todos ali, unidos, vivendo mais um momento crucial de suas historias: aguardando a chegada das Irmãs Amélia e Joana e seu assessor administrativo, Iron Müller. Eles, que estavam a caminho para fechar as portas da casa de uma grande família. Quando chegaram, um silêncio mortal tomava conta da escola, e nos olhos dos estudantes puderam ver que a guerra estava apenas começando, e seria uma luta armada. As armas da família Auxiliadora? União e amor, o amor, que vence tudo, principalmente a hipocrisia.

Era, então, chegado o grande momento, o momento do confronto. E Fernando teve de ter a coragem de, mesmo tremendo, se dirigir à Irmã Amélia: “Lhe entreguei o abaixo assinado, e disse que estava ali desde pequeno e não queria ver meu colégio fechando. Falei que eles deviam pensar em todas aquelas crianças e ela me respondeu apenas que eles tinham alguns projetos.”
Irmã Amélia, ex-diretora daquela escola, não deu sua assinatura, como era de se esperar.
O professor de matemática, Gustavo Rodrigues, outros professores e funcionários, manifestaram-se dizendo-lhes que deviam pelo menos alguma satisfação a todos, e Iron Müller, sem se abalar, respondeu que iam apenas cumprir o cronograma, e que os alunos não deveriam preocupar-se com se futuro, pois poderiam ir para o ensino público. Assim, friamente, e olhando para o relógio. Confira no vídeo abaixo:

http://www.youtube.com/watch?v=v4r43d0aICI - Chegada da equipe da Congregação

A comissão entrou em reunião, e os estudantes se concentraram todos no ginásio, tomando algumas providencias para a manifestação que os faria entrar para a história. Fernando ligou para a UNEAMA pedindo apoio, e enquanto isso, no ginásio, todos cantavam ‘AUXILIADORA EU SOU’, em uma só voz. Nesse momento, a vice-diretora da escola, Vivianne Goulart apareceu no alto da escada, dando um discurso emocionado, arrancando lágrimas de todos. E disse-lhes que mais tarde, sairiam pelas ruas da cidade, em uma caminhada pela permanência das portas do Auxiliadora abertas.

Enquanto a reunião ocorria, os estudantes, pais e ex-alunos, que iam chegando para a luta, permaneceram no ginásio, preparando cartazes, pensando em soluções, e temendo o futuro. Porque estavam tentando roubá-lo.
 Renan e Fernando destacam que o mais marcante foi a união. Todos trabalharam igual, um pintava o rosto do outro, pessoas que nem costumavam falar com outras se ajudavam, mostrando que o amor por uma causa em comum sempre fala mais alto. Todos queriam ajudar.





Foi uma manhã movimentada, enquanto uns faziam cartazes, outros andavam com o abaixo-assinado pela cidade inteira, buscando assinaturas em lojas, supermercados e na prefeitura. Renan conta que algumas pessoas o paravam na rua, querendo contribuir. Com toda a certeza, um lindo gesto.
Cartazes prontos, rostos pintados, e sol finalmente aparecendo no céu, a família Auxiliadora tomou as ruas da cidade, todos de preto, em sinal de luto por ter algo tão importante arrancado de forma tão violenta. Pais caminhavam junto, ex-alunos também. E quem, em Rio Pardo, não sabia o que estava acontecendo, passou a saber. A caminhada foi o maior símbolo de que não seria fácil acabar com uma história de 82 anos.

"O importante não é vencer todos os dias, mas lutar sempre."
(Waldemar Martins) 
 

"Só há uma maneira de lutar contra o poder: é sobreviver-lhe."
(Voltaire)

"Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera inteira."




(Che Guevara)



 
E assim o dia seguia, sob manifestações de revolta. Renan, Fernando e Bruno não são os únicos a merecer destaque. MUITOS fizeram MUITA coisa, muitos dedicaram seu dia à manifestação, muitos choraram, muitos temeram, muitos gritaram que ‘eram Auxiliadora’, para quem quisesse ouvir.
Luiza Faleiro Goulart foi uma dessas pessoas. A aluna da turma 101 mostrou-se uma verdadeira guerreira naquele dia. Foi, com toda certeza, uma das líderes do movimento, não só na escola, como com seus textos emocionantes na internet. Conversei com Luiza, que declarou:
“Gostaria de falar, em primeiro lugar, que a situação está muito preocupante. É um absurdo o que está acontecendo, eles pregam uma coisa e fazem outra. Não estão dando exemplo. O que eles devem entender é que não somos uma empresa, somos uma família!”

Luiza Faleiro Goulart

 
O professor Gustavo, também merece destaque. Sempre tão forte, sempre tão seguro, Gustavo se rendeu às lágrimas, assim como os outros professores naquele dia.
“O que fizeram conosco foi uma arbitrariedade, vai contra os princípios que são pregados nesta escola. Todos os dias viemos transmitir valores como amizade, companheirismo e sinceridade aos alunos, e agora a própria congregação vem com uma decisão que vai contra tudo isso!”, declarou.

Professor Gustavo Rodrigues


 
Todos esperavam ansiosamente pela noite. Seria à noite que a manifestação iria acontecer realmente, pois haveria reunião com os pais, direção e o gurpo que pretendia separar a Família Auxiliadora, fechando as portas de sua casa.
O anoitecer se aproximava trazendo a expectativa de ter o futuro finalmente anunciado. Será que a crueldade e hipocrisia seriam tão grandes a ponto de realmente acabarem com o colégio? Expectativas e dúvidas pairavam no ar, e aquele 25 de agosto começava a ficar escuro novamente. Perguntei a Sthevan Soares Santos, da turma 81, o que ele esperava daquela noite: “Essa será uma noite de decisões importantes para Rio Pardo e a Família Auxiliadora. Espero que o melhor seja feito.” As palavras de Sthevan, com certeza, resumiram o pensamento geral.

Sthevan Soares Santos, ao lado de Luiza Goulart
 
E quando as estrelas surgiram no céu, dezenas de Sthevans, Luizas, Renans, Brunos e Fernandos esperavam no pátio da escola para o início de mais uma batalha. Todos eram como um só.
E aí, meus amigos, é aqui que perco totalmente o caráter jornalístico para declarar, com os olhos cheios de lágrimas, que eu vi a história acontecer! Havia algo no ar naquela noite. Jovens estavam ali, provando que aquilo era muito mais do que demonstrar sua revolta em redes sociais.
Nós todos, cada um com uma vela, clareando a noite, mostramos que, mais do que nunca, ‘éramos Auxiliadora’, não apenas no grito de guerra. E foi sob gritos que as representantes da Congregação e o seu assessor Iron Müller adentraram o salão da escola. E lá dentro, encontraram pais e professores calados, mas não menos revoltados. A energia ia de fora pra dentro, e a Família Auxiliadora que tanto fez barulho, agora voltava a ficar em silêncio para ouvir o que havia sido resolvido.



Iron, então,  tomou a palavra e disse que haviam repensado a situação.
Alvoroço geral, lágrimas e abraços. Orgulho. Orgulho por fazer parte da família mais unida do mundo! Orgulho por não ter se calado diante de tudo isso. Acharam que iam terminar com uma vida inteira, vidas inteiras, trajetórias vitoriosas, com uma determinação absurda?? Isso aqui é Auxiliadora! É muito mais do que uma instituição de ensino!
O próprio Iron declarou que ‘toda a dedicação fez com que reconsiderassem’. A FAMÍLIA AUXILIADORA FEZ A DIFERENÇA! Unidos fomos e somos fortes!

Mas a guerra ainda não chegara ao fim. Todos os jovens concentrados na porta do refeitório ouviram a guerreira e vice-diretora Vivianne ler um breve histórico do Colégio, e fazer as perguntas que não queriam calar: ‘Onde estava o respeito por essa história? Quais os argumentos para pôr um fim no passado, presente e futuro de tanta gente?”. Desrespeitados, todo sentiam-se assim.
O prefeito de Rio Pardo, Joni Rocha, em um discurso empolgante, arrepiante, como tantas outras coisas naquele dia, disse a frase que define tudo: “Não se acaba uma história com um ofício!”
Onde fica o respeito por tudo o que o Colégio Auxiliadora foi, e AINDA é?
O abaixo-assinado obteve 1400 assinaturas em um dia, e foi entregue à direção da escola por Franciny, da turma 201, na presença de todos. Emocionada, a aluna foi muito aplaudida.
Os alunos estavam orgulhosos da direção e dos professores, que, por sua vez,  estavam orgulhosos dos alunos. Um dia que poderia ser lembrado mais do que tudo, pela tristeza, nos traz muito mais do que isso. Nos traz a sensação de que somos mais fortes e capazes do que imaginávamos. Nos faz ter a certeza de que temos muito a oferecer para o mundo, e tudo isso graças à educação e valores que o COLÉGIO NOSSA SENHORA AUXILIADORA nos passa desde que nem sabíamos escrever ainda.

Quando pensamos em 25 de agosto de 2011, pensamos também em luta, em doação, em amor, em união. Nós sobrevivemos à tempestade. Valeu a pena passar um dia em vigília, passar um dia inteiro dedicando-se a uma escola que nos dedica seus dias há 82 anos. Valeu tanto a pena, que qualquer um diria agora, com brilho nos olhos, que faria tudo de novo, se fosse preciso.
É claro que o Colégio não está totalmente seguro. Amanhã, 31 de agosto, haverá uma reunião em Porto Alegre, para decidir o que pode ser feito pelo Auxiliadora. Mas isso já é uma grande vitória, afinal, quando as Irmãs Amélia e Joana, e o assessor Iron Müller adentraram o prédio da escola, há uma semana, estavam indo apenas cumprir um cronograma, e não estavam abertos a negociação. Parece que houve uma mudança de planos, não é mesmo? Agora somos nós quem olhamos para o relógio, esperando que encontrem uma solução rapidamente. Nós que temos pressa!
Essa história não chegou ao fim. Amanhã mais um capítulo será escrito, mais uma batalha será travada. E a Família Auxiliadora estará mais uma vez, unida, firme e forte, pronta para o que quer que seja.

Nós vamos prosseguir companheiros. Medo não há. No rumo certo da estrada. Unidos vamos crescer e andar.”

25 de agosto de 2011. Um dia que, definitivamente, entrou para a história.








Nota da autora: Eu espero realmente ter conseguido documentar esse dia tão importante para todos. Agadeço aos meus amigos Renan Lamb e Fernando Laste pela entrevista concedida, todos os outros entrevistados, por todos que ajudaram a divulgar esse blog, pelas fotos da Vania Soares, do Jornal de Rio Pardo, e as fotos da Thifany G., dona desse blog também. Mandem links com fotos, vídeos, prints de redes sociais. Contribuam!